Esta regra diz respeito ao contexto artístico e literário. Quando Zamenhof criou as bases da língua, julgou que ela também deveria contribuir para a divulgação da literatura e de outras manifestações artísticas. No Unua Libro (Primeiro Livro), já apresentava modelos de textos, cujos gêneros literários variavam desde uma carta até poesias. A língua já demonstrava sua beleza nas primeiras rimas dos versos de seu autor, considerado o primeiro poeta do Esperanto. Segue uma de suas composições, seguida de sua tradução em português.
Ho mia kor’
Ho mia kor’, ne batu maltrankvile,
El mia brusto nun ne saltu for!
Jam teni min ne povas mi facile
Ho mia kor’!
Ho mia kor’! Post longa laborado
Ĉu mi ne venkos en decida hor’
Sufiĉe! Trankviliĝu de l’ batado,
Ho mia kor’!
Oh, Meu Coração
Oh, meu coração, não bata inquieto,
Do meu peito não salte agora!
Já mal consigo me segurar,
Oh, meu coração!
Oh, meu coração! Após longa luta
Será que não vencerei na hora decisiva?
Basta! Acalma teus batimentos,
Oh, meu coração!
A profundidade dos versos nesta obra tão famosa, na visão de Edmond Privat, que escreveu sobre a biografia desde poeta, “soa um tanto como a respiração difícil de uma pessoa que sobe correndo cinco andares da escada de um prédio e para de pé atrás da porta”. Esse poema foi escrito em um momento no qual o jovem estava aflito e impaciente com a publicação do Unua Libro (Primeiro Livro), prestes a ser lançado para o mundo. Muitos anos depois, a beleza desses pequenos versos ainda hoje serve de inspiração para muitos outros poetas e cantores.
O iniciador da língua conseguiu dar a uma língua planejada, como o Esperanto, o mesmo peso das línguas modernas para poder criar poesias tão belas, por meio de um recurso estilístico que propicia a composição livre. Esse recurso consiste da omissão da letra A do artigo e da letra O do substantivo no singular, colocando no lugar deles uma vírgula no alto da linha, sina conhecido pelo nome de apóstrofo (‘), como no título do poema:
Ho, mia KOR’ (Oh, meu coração)
A última palavra, normalmente, é escrita KORO (Coração). Zamenhof, entretanto, preferiu adaptá-la, subtraindo o último O dessa palavra e transformando-a em KOR’. Tal recurso foi mantido e destacado em outras rimas do poema:
Ĉu mi ne venkos en decida HOR’ (Será que não vencerei na HORA decisiva?)
A palavra HOR’ (hora), normalmente é escrita HORO. Porém, para conservar o ritmo dos versos anteriores, o último O também foi omitido. Nesse poema, também pode ser percebida a ausência da letra A do artigo:
Sufiĉe! Trankviliĝu de l’ batado (Basta! Acalma teus batimentos)
A letra que permaneceu (L) une seu som à palavra anterior, DE, para produzir a sonoridade necessária sem comprometer o ritmo do verso.
Zamenhof percebeu neste recurso sua característica fundamental e o incorporou às dezesseis regras, proporcionando assim, ao Esperanto, além da lógica e da simplicidade, a capacidade necessária para verter obras literárias. Esse apóstrofo não interfere na leitura, como se fizéssemos uma pausa no momento em que se leria a letra O do substantivo. O acento tônico permanece no mesmo lugar:
KORO (coração) se lê KOR’
HORO (hora) se lê HOR’
AMIKO (amigo) se lê AMIK’
AMIKINO (amiga) se lê AMIKIN’
BENO (bênção) se lê BEN’
Desse modo: A vogal final do substantivo (O) e a do artigo (A) podem ser omitidas e substituídas por um apóstrofo.
O iniciado da Língua Internacional e todas as pessoas ao redor do mundo que trabalham e prol dela, acreditam que por meio deste tesouro linguístico todos os povos se aproximarão e realização seu sonho maior. Para tanto, o trabalho deve ser feito sem descanso, com a certeza de que ela será uma verdadeira bênção para toda a humanidade – proposta imortalizada por Zamenhof nos versos finais do poema “La Espero” (A Esperança)
Nia diligenta kolegaro
en laboro paca ne laciĝos,
ĝis la bela sonĝo de l’homaro
por eterna ben’ efektiviĝos.
Nossa diligente irmandade
na luta pela paz, não se cansará,
até que o belo sonho da humanidade
de ter a eterna bênção se realize.
Do site HR Idiomas